Eu não consigo lembrar muita coisa da minha infância. Não consigo sequer saber o que é ter um pai e qual a função tem. Só vi seu rosto por foto, e raramente ouvi falar dele. A história que sempre contaram foi de que, assim que nasci ele resolveu separar-se de minha mãe. Depois disso, ele desapareceu e nunca falei com ele. Mas eu lembro da casa antiga da minha avó, que foi a pessoa que mais esteve presente, já que minha mãe precisava trabalhar e assim ausentou-se boa parte da minha vida.
Enquanto criança gostava mesmo de ficar na rua, soltando pipa, jogando bola..
Mesmo tendo os amigos da rua, procurava passar a maior parte do tempo fora de casa, porque eu não gostava do que sentia quando chegava em casa. Não consigo lembrar da minha mãe me cobrindo à noite, me fazendo um cafuné, ou se mostrando interessada pela minha vida. Mesmo me esforçando não consigo lembrar se tive alguém para sentar comigo à mesa e me ajudar nos deveres da escola. Possivelmente, não.
Comecei a me sentir ignorado, até um pouco abandonado, e inconscientemente meu comportamento na escola mudou. Sempre procurava desafiar os professores, andava sempre rodeado de meninas, e finalmente não me sentia mais inferior. Ganhei popularidade na escola por ser o “amigo” das meninas e por saber falar muito bem em público. Fiquei conhecido por todos, e também visitava com freqüência sala da diretoria para assinar advertências e suspensões.
Depois de um tempo comecei a ter aulas de artes marciais, e isso só veio ajudar com minha autoconfiança (mal eu sabia que isso não passava de mais uma máscara que criei para mim mesmo). As meninas se derretiam porque eu era legal, sempre bem humorado, as ouvia sempre que precisavam, era um ótimo amigo, e ainda por cima lutava. Já os meninos invejam essa reputação que construí. Aqueles que se aproximavam eram porque queriam ser como eu. Meu ego acabou se tornando maior que eu.
Sobre o ambiente familiar, posso dizer que praticamente não ouvi ‘NÃOS’, e quem estipulou limites na minha vida fui eu mesmo. Quem me disse o que era certo e errado, fui eu mesmo, vivendo.
Quando atingi uma idade que me permitiu começar a trabalhar, não perdi tempo. Devia ter uns 14 anos quando perambulava sozinho com meu walkman, pelo centro fazendo as minhas entregas. Assim comecei a ganhar meu próprio dinheiro. Consequentemente, conquistei realmente a independência, minha e de família. Agora eu podia bater no peito e dizer que eu me bastava e não precisava de ninguém MESMO. Se até então, havia crescido sem ser notado, agora eu já era um adulto e não era necessário dar satisfações.
Sempre me considerei autossuficiente, e por causa disso eu passava segurança pra quem estava comigo. Nunca fui do tipo de pedir ajuda, afinal, se eu me metia em enrascada, não deveria incluir outras pessoas nisto. Eu mesmo deveria ser capaz de sair dos meus problemas. Me ‘abrir’ pra alguém, jamais. Isso definitivamente não precisava, afinal nunca havia precisado de ninguém em toda a minha vida, poderia muito bem me virar sozinho. E sou homem!
Pensando um pouco nesta pequena retrospectiva da minha vida, enxergo a falta de raízes criadas, fundamentos e valores familiares. Na verdade a minha vida sempre girou em torno de mim mesmo. Meus relacionamentos sempre foram superficiais porque nunca permiti de fato ninguém fazer parte da minha vida. Percebi que sempre houve uma necessidade da minha parte em provar para todos que: EU posso, EU consigo, EU faço, EU estou correto, EU, EU, EU… No fim das contas não trata-se de egoísmo, é orgulho, é soberba, é carência!
Mas teve um momento que (quase) fui completo. Se eu não fosse tão babaca, hoje eu seria completo. Porque um dia teve alguém que me valorizou, alguém que se preocupou comigo verdadeiramente, alguém que acreditou em mim sinceramente, alguém que supriu toda essa carência de anos. Teve alguém que me amou incondicionalmente, e teve alguém que eu desperdicei, que eu joguei no lixo. No fim das contas, quem foi pro lixo fu eu.